Freinet e os interesses do aluno

Freinet

Você acha que o pensamento de cativar o interesse dos alunos para que eles mesmos construam seus conhecimentos, as aulas-passeio, os ateliês e o jornal de classe foram ideias desenvolvidas recentemente? Conheça Célestin Freinet e a sua pedagogia, que foi praticada em 1920, mas que ainda se faz muito atual.

Quem foi Freinet?

Célestin Freinet (1896-1966), nasceu na Província de Gars, na França, em uma família de pastores de rebanhos de ovelhas, com quem aprendeu este mesmo ofício. Na adolescência, começou a se interessar pela docência, mas essa vontade de se formar foi interrompida com a convocação para a primeira Guerra Mundial.

Com todos os pesares da Guerra, talvez, ela tenha permitindo que Freinet se tornasse quem ele foi, porque ele foi ferido por uma arma tóxica (gás mostarda), que prejudicou seu pulmão. Os médicos disseram que ele não deveria ser professor, pois, afinal de contas, ser professor implica falar muito. Mesmo assim, Freinet insistiu em ir para a sala de aula, mas, como ele não consegue falar por muito tempo, se viu obrigado a lançar mão de estratégias no qual ele não precisasse falar tanto, e aí ele percebeu que fora da escola é onde a vida acontecia de fato. Devido a tudo isso, Freinet afirmava que sua formação como professor não se fez só na Escola Normal mas também na guerra. 

Por acreditar que a antiga relação de superioridade do professor e subordinação do aluno deveria acabar e defender que a escola devia ser aberta à vida, ao meio social e humano, Freinet saía da sala de aula dele com as crianças para que elas pudessem, efetivamente, conhecer a vila,  observar a vida lá fora e cativava o interesse de seus alunos, pois, para ele, a pedagogia só é válida se apoiar as necessidades dos alunos, nos seus sentimentos e aspirações. Porém, assim como aconteceu com outros educadores - e ainda acontece com educadores que acabam não seguindo o sistema - ele não foi compreendido de imediato e foi considerado como um subversivo. Sendo assim, Freinet foi desligado do sistema público de ensino. 

"Freinet sempre acreditou que é preciso transformar a escola por dentro, pois é exatamente ali que se manifestam as contradições sociais" Rosa Maria Whitaker Sampaio

Após casar-se com Elise, Freinet e sua esposa se mudam para uma província próxima e, nessa província, eles resolvem iniciar um projeto de escola. Curiosamente, essa escola que ele monta, em 1925, começa a ter adeptos, não apenas as crianças e familiares que queriam que as crianças estudassem lá, mas outros professores da própria província e das províncias próximas, que começam a se interessar por aquilo que o professor Freinet estava fazendo, e, portanto, começam a frequentar e a se juntarem ao movimento. Este movimento só se estabilizou 40 anos mais tarde, ficando conhecido como "Movimento da Escola Moderna", que era contrário ao sistema de ensino estabelecido e que percebia a escola baseada no currículo pronto como um apelo excessivo à racionalidade das crianças, que acabava justamente fazendo o contrário daquilo que se propõe, que é educar.

Os principais conceitos criados por Freinet:

Freinet deixou seu legado teórico no final da vida. Durante mais de 40 anos, ele sempre esteve interessado em estar na escola e nunca se preocupou em sistematizar o que ele estava fazendo. Ele escreveu sobre o que chamou de "método natural", no qual ele acredita que as crianças aprendem por um desejo de aprender e não por uma imposição de alguém, seja um professor ou qualquer outro adulto. Também defendia que o trabalho e a cooperação vêm em primeiro plano, e sua opinião contrastava com a de outros pedagogos, inclusive os da Escola Nova, quando afirmava que não é o jogo que é natural da criança, mas sim o trabalho. Ele escreveu isso ao longo da vida de uma forma assistemática, sem uma metodologia cientificamente aceita, mas no final de sua vida, o próprio Freinet percebe então que seria importante ele deixar registrado o que seria a sua pedagogia. Ele chamava isso de "bandeiras de luta".

Um outro legado são as invariantes pedagógicas, baseadas nas três bandeiras de luta que levantou ao longo de sua vida. A primeira bandeira que ele levanta é "abaixo a aula", talvez, por isso, ele tenha sido entendido como subversivo, mas estava querendo chamar atenção para como a aula é constituída até hoje, é como um momento de interrupção da própria vida. Para Freinet, uma aula planejada, organizada e sistematizada para qualquer pessoa é considerada como um plano de aula estéril, pois você não sabe quem são os alunos, mas a aula está pronta, com um roteiro de determinados conteúdos,  sequências didáticas planejadas e avaliação preparada sem conhecer os indivíduos que compõem a turma. Freinet fazia o contrário de impor aos alunos o que eles deveriam aprender. Ele permitia que os alunos explorassem a vida, o mundo e até os conteúdos. Apesar de se declarar "contra aulas", ele não era contra as aulas teóricas, mas contra os dogmas, o acúmulo mecânico e sem valor de informações e a alienação das escolas de seu tempo.

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dois meninos sentados na grama, lendo um livro e interessados no assunto

Freinet afirmava que quem inventou o trabalho em série não foi a indústria, e sim a escola. Ele acreditava que a indústria só copiou o que a escola já fazia, que é a produção seriada, onde todo mundo está igualmente uniformizado, decorando mecanicamente. Ele não queria isso, não queria que seus alunos tivessem aulas, mas sim que eles tivessem interesse em aprender, tendo em mente que nem todos têm interesse naquilo que o professor tem para ensinar em alguns momentos. Isso torna o trabalho do educador mais difícil, mas ao mesmo tempo mais desafiante e interessante.

segunda bandeira é diretamente ligada à primeira: Abaixo manuais escolares. Com o termo "manuais escolares", ele estaria abrangendo cartilhas, apostilas, livro didático e caderno do aluno. Freinet acreditava que nós não precisamos de manuais escolares, mas que precisamos olhar para os nossos alunos, e esse olhar vai permitir identificar o que cada um quer aprender e como cada um aprende. E assim, tudo aquilo que teoricamente está bem edificado em diversas linhas do pensamento educacional o Freinet consegue pôr em prática. 

No fim da vida, Freinet percebeu que deveria se ter menos alunos por professor, e aí levanta a terceira bandeira, que era: 25 alunos por sala. Essa última bandeira que ele levanta, demonstra o quanto ele era um cara prático. Não havia um estudo sistematizado para isso, ele não fez levantamentos, não usou nenhum tipo de metodologia científica para perceber, mas percebeu, que quanto mais alunos o professor tem para lidar, mais difícil fica de entender a subjetividade de cada um. 

Freinet sistematizou 30 invariantes pedagógicas, como parte do seu legado teórico. Que são frases sucintas e bem claras a respeito da natureza da criança, de suas reações e das técnicas de ensino. 

As 30 invariantes pedagógicas, segundo Freinet são:
1- A criança é da mesma natureza que o adulto.
2- Ser maior não significa necessariamente estar acima dos outros.
3- O comportamento escolar de uma criança depende do seu estado fisiológico, orgânico e constitucional.
4- A criança e o adulto não gostam de imposições autoritárias.
5- A criança e o adulto não gostam de uma disciplina rígida, quando isto significa obedecer passivamente uma ordem externa.
6- Ninguém gosta de fazer determinado trabalho por coerção, mesmo que, em particular, ele não o desagrade. Toda atitude imposta é paralisante.
7- Todos gostam de escolher o seu trabalho mesmo que essa escolha não seja a mais vantajosa.
8- Ninguém gosta de trabalhar sem objetivo, atuar como máquina, sujeitando-se a rotinas nas quais não participa.
9- É fundamental a motivação para o trabalho.
10- É preciso abolir a escolástica.
    10.1- Todos querem ser bem-sucedidos. O fracasso inibe, destrói o ânimo e o entusiasmo.
    10.2- Não é o jogo que é natural na criança, mas sim o trabalho.
11- Não são a observação, a explicação e a demonstração - processos essenciais da escola - as únicas vias normais de aquisição de conhecimento, mas a experiência tateante, que é uma conduta natural e universal.
12- A memória, tão preconizada pela escola, não é válida, nem preciosa, a não ser quando está integrada no tateamento experimental,onde se encontra verdadeiramente a serviço da vida.
13- As aquisições não são obtidas pelo estudo de regras e leis, como às vezes se crê, mas sim pela experiência. Estudar primeiro regras e leis é colocar o carro na frente dos bois.
14- A inteligência não é uma faculdade específica, que funciona como um circuito fechado, independente dos demais elementos vitais do indivíduo, como ensina a escolástica.
15- A escola cultiva apenas uma forma abstrata de inteligência, que atua fora da realidade fica fixada na memória por meio de palavras e ideias.
16- A criança não gosta de receber lições autoritárias.
17- A criança não se cansa de um trabalho funcional, ou seja, que atende aos rumos de sua vida.
18- A criança e o adulto não gostam de ser controlados e receber sanções. Isso caracteriza uma ofensa à dignidade humana, sobretudo se exercida publicamente.
19- As notas e classificações constituem sempre um erro.
20- Fale o menos possível.
21- A criança não gosta de sujeitar-se a um trabalho em rebanho. Ela prefere o trabalho individual ou de equipe numa comunidade cooperativa.
22- A ordem e a disciplina são necessárias na aula.
23- Os castigos são sempre um erro. São humilhantes, não conduzem ao fim desejado e não passam de paliativos.
24- A nova vida da escola supõe a cooperação escolar, isto é, a gestão da vida pelo trabalho escolar pelos que a praticam, incluindo o educador.
25- A sobrecarga das classes constitui sempre um erro pedagógico.
26- A concepção atual das grandes escolas conduz professores e alunos ao anonimato, o que é sempre um erro e cria barreiras.
27- A democracia de amanhã prepara-se pela democracia na escola. Um regime autoritário na escola não seria capaz de formar cidadãos democratas.
28- Uma das primeiras condições da renovação da escola é o respeito à criança e, por sua vez, a criança ter respeito aos seus professores; só assim é possível educar dentro da dignidade.
29- A reação social e política, que manifesta uma reação pedagógica é uma oposição com o qual temos que contar, sem que se possa evitá-la ou modificá-la.
30- É preciso ter esperança e otimista na vida.
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Ele chamava a atenção para o fato de que nós todos somos movidos pelo desejo de próprio sucesso e a escola desenha o fracasso quando ela ranqueia - individualmente, de 0 a 10, A, B ou C - E aí o aluno vai disputar vagas no vestibular, depois vagas no mercado de trabalho. Ou seja, é constituído de uma certa forma para uma disputa e, na verdade, a criança pequena e o adulto deveriam estar preocupados em descobrir o que nós gostamos de fazer, o que gostamos de ser.

A importância do êxito, da livre expressão e do bom senso:

Para Freinet, o professor, em sala de aula, deve criar um ambiente voltado para o trabalho, de modo a estimular as crianças a procurarem respostas para suas necessidades e fazerem experimentações, possam ajudar e receber ajuda de seus colegas. 

O professor, além de ser a pessoa que organiza o trabalho em sala de aula, deve também colaborar para o êxito de todos os alunos, segundo Freinet. Contrariando o pensamento dos pedagogos modernos, Freinet não considerava o erro como um caminho didático. Ele acreditava que o erro desequilibra e desmotiva o aluno, por esse motivo, o professor deve proporcionar ao aluno um olhar afetivo e ajudá-lo a superar o erro.

A pedagogia de Freinet considera a aprendizagem como um resultado de uma relação entre a prática e a teoria. Segundo essa visão, o professor deve se orientar tanto pela psicologia quanto pela pedagogia, considerando a história de vida de cada aluno e percebendo como se relaciona com sua aprendizagem.

Ao longo de sua vida, Freinet se dedicou a desenvolver técnicas de ensino que fossem realmente úteis como canais da livre expressão e da atividade cooperativa. Seu objetivo era construir uma nova educação voltada para o povo, já que considerava a educação daquele tempo favorável somente para as elites.

Quais são os desdobramentos práticos das experiências de Freinet na escola hoje?

  • Aula-passeio
A aula-passeio nasceu a partir da observação que Freinet fazia de seus alunos quando estavam ao ar livre. Ele notou que dentro da sala de aula, as crianças pareciam desinteressadas, mas ao ar livre elas tinham mais vigor e animação para aprender. Esta foi uma das primeiras técnicas desenvolvidas por Freinet.
  • Ateliê
Hoje, os ateliês se popularizaram na internet como "DIY - do it yourself", que traduzido para o português é "faça você mesmo", mas, basicamente, eram mesas e espaços, na escola, cheios de materiais de marcenaria, serralheria, artesanato etc., onde as crianças construíam coisas.  Isso também foi uma das técnicas que Freinet utilizou muito dentro das escolas.
  • Imprensa escolar
Outra técnica que ele usou e que algumas escolas ainda mantêm - e que algumas estão até atualizando por causa das redes sociais - é a imprensa escolar. Freinet entendia que para alguém aprender a escrever, não havia outro jeito senão escrevendo. Ele incentiva as crianças a escrever e depois elas contavam para as outras crianças o que haviam escrito e, por fim, coletivamente e colaborativamente, as crianças se ajudavam a transformar o que foi escrito em um texto gramaticalmente correto. Ao perceber que as crianças gostam de escrever e contar para os outros o que tinham escrito e gostavam até mesmo da prática de correção coletiva, ele resolveu transformar tudo isso que as crianças faziam em sala de aula em um pequeno jornalzinho, para poder levar para outra sala de aula e para outra escola. Isso é uma forma de interação com a própria comunidade escolar.

Recomendações:

É inegável que a pedagogia de Freinet ainda seja bastante atual. Suas obras tiveram bons resultados em vários países. Para conhecer mais sobre Célestin Freinet e sua pedagogia, confira as indicações abaixo e a lista completa de livros que destaquei clicando aqui.


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